Ciclo de Cinema - O Cozinheiro, o Ladrão, sua Mulher e o Amante dela

Segunda, 21 Julho - 18:00


O ciclo deste mês leva-nos a um tema que diz respeito a toda a gente: A comida.

A comida como prazer. O prazer de cozinhar. O acto de cozinhar como algo que todos podemos fazer. A comida que não devia existir. Os crimes que se podem cometer pela comida. A comida que simplesmente está lá, sempre presente. A comida como quotidiano. A comida porque sim. A comida, porque não?

E como a cozinha da Casa Viva está sempre pronta, este mês o cinema começa com um belo jantar que não só podes degustar, como ajudar a confeccionar.


  • Cozinhar - 18h
  • Jantar - 20h
  • Filme - 21h e 30m
  • Menu da Semana - Risoto de Cogumelos e Algas aromatizado com Manjericão e Mel

O Cozinheiro, o Ladrão, sua Mulher e o Amante dela

Realizador - Peter Greenaway
Duração - 110m

Peter Greenaway é artista plástico, escritor, cineasta e grande estudioso das artes nas suas mais diversas formas. Os seus filmes são marcados por um certo preciosismo na composição cénica. Talvez por ser um exímio pintor, Greenaway demonstre, nas suas obras para o cinema, grande habilidade no uso de cores, contrastes e iluminação.

Os filmes de Peter Greenaway geralmente passam longe do circuito comercial e costumam ser classificados como “filmes de arte”. Controverso e assumidamente pretensioso, o cinema de Greenaway explora os limites da linguagem cinematográfica e instaura um diálogo fascinante entre o cinema, outras manifestações artísticas e diversas áreas do conhecimento humano.

O Cozinheiro, o Ladrão, Sua Mulher e o Amante é uma das grandes obras-primas de Greenaway e o filme de maior sucesso do realizador. Trata-se de uma sátira brilhante e excêntrica, carregada de humor negro, sobre o exagero, o mau-gosto e a maldade humana.

Filmado de maneira exuberante, excessivamente gráfica e luxuriosa, O Cozinheiro… passa-se quase inteiramente num sofisticado restaurante francês, chamado Le Hollandais. Richard (Richard Bohringer), o chefe, é um génio da cozinha, um verdadeiro artista gastronómico. Já o proprietário do restaurante, Albert Spica (Michael Gambon), é um grande homem do crime, que frequenta todas as noites o Le Hollandais, na companhia da sua bela mulher Georgina (Helen Mirren) e uma corja de bajuladores. Enquanto faz seus discursos ácidos e impagáveis, Albert descuida-se da esposa que acaba por se interessar por um dos clientes do lugar, o intelectual e ávido leitor Michael (Alan Howard). Rapidamente, eles iniciam um tórrido caso de amor.

No filme, Greenaway focaliza algumas das pulsões primárias do ser humano: o desejo sexual, a gula e a violência. O exagero e o grotesco fazem parte da suculenta sátira social realizada pelo cineasta e tais características são personalizadas em Albert, um personagem hiperbólico, monstruoso e desprezível. Na pele desse personagem cruel temos o actor irlandês Michael Gambon numa performance inesquecível. Certamente, Albert é uma das maiores encarnações do mal já vistas no cinema. Mas não é apenas Gambon que se destaca no filme. Helen Mirren, surge belíssima em O Cozinheiro… e esbanja sensualidade ao encarnar a esposa infiel de Albert. A atriz inglesa brilha, sobretudo, por mostrar a transformação da sua personagem, cujo final é apoteótico.

Greenaway trata dos assuntos mais feios imagináveis, da forma mais bela possível. De facto, o filme poderia ser descrito como um verdadeiro “banquete visual”. Nesse banquete, Greenaway contou com a belíssima fotografia de Sacha Vierny, o primoroso trabalho de Ben Van Os e Jan Roelfs na direcção de arte e figurinos assinados por  Jean-Paul Gautier.

Greenaway abusa das cores fortes e das texturas. Cada cenário tem sua cor característica: o vermelho do salão, o branco da casa de de banho, o verde da cozinha. A variedade de cores é também visível nos figurinos dos personagens, que mudam magicamente quando eles trocam de cenários. Tudo é extremamente estilizado, barroco, rebuscado.

A maioria dos filmes de Greenaway caracteriza-se por certo distanciamento emocional. O Cozinheiro, o Ladrão, sua Mulher e o Amante dela, é, no entanto, uma obra visceral.

Alguns críticos e estudiosos viram na longa-metragem uma forte dimensão alegórica. O filme seria, assim, um protesto semivelado, uma parábola sobre a situação político-social do Reino Unido de Margaret Thatcher. Uma das interpretações propostas para o filme vê cada uma das quatro personagens principais como representações de entidades e segmentos distintos da sociedade britânica: o cozinheiro simbolizaria os funcionários públicos e os cidadãos obedientes; o ladrão, a arrogância, o autoritarismo e o poder de Margaret Thatcher; o amante, a oposição composta por intelectuais e esquerdistas; e a esposa, a própria pátria.

A obra-prima de Greenaway, no entanto, não se reduz a um único contexto político e oferece-nos uma reflexão atemporal sobre as relações de poder, sobre a exploração do homem sobre o homem e sobre o lugar que a violência e a cultura ocupam na nossa sociedade. O Cozinheiro, o Ladrão, sua Mulher e o Amante é um filme provocador, inteligente e tragicamente divertido.

Sem comentários :