Entre a repressão assassina e um mundo inteiro a abater...
Da sala de Montecitorio à do tribunal de Milão, da plataforma da estação de Turim às câmaras de vigilância da procuradoria de Florença, das metrópoles supervigiadas aos vales em agonia, para não falar das rusgas policiais por toda a Itália, não passa um dia em que os ânimos não sofram o choque de um qualquer episódio político ou policial. E infalivelmente aparece alguém que lança o alarme sobre “a emergência democrática em curso no nosso país”, resolvível, como é óbvio, com um escrupuloso respeito pelas normas e pela lei. Mesmo o que aconteceu ontem (dia 27/02) de manhã no Vale de Susa, a queda não acidental de um anarquista do poste de electricidade ao qual havia subido para protestar contra o TGV e a expropriação dos terrenos, seus ou não pouco importa, foi rapidamente reconduzido para este discurso tão dominante quanto deprimente. E se da matilha reaccionária se enfatiza a ilegalidade do gesto de protesto, também de boa parte do movimento se enumeram as intermináveis ilegalidades das obras e do seu avanço (demonstrando a legitimidade da oposição).
Se a cabeça não estivesse noutro lugar a arder de raiva, seria de nos interrogarmos sobre como o horizonte democrático havia conseguido colonizar a este ponto o imaginário individual mais do que o colectivo. Qual é a democracia à qual se deveria regressar, aquela saída da Resistência que agraciou os fascistas e prendeu os partisanos mais insubmissos? Aquela que foi gerida durante dezenas de anos nas sacristias e nas secretarias da Democracia Cristã? Aquela das estratégias de tensão do Estado e das leis especiais? Aquela dos acordos por cima e por debaixo da mesa com a Máfia? Aquela das corrupções e das especulações? Aquela dos “italianos, gente brava” que nas suas missões militares no exterior violam, torturam e massacram? A isto chegámos, frente a anões e dançarinas, a renegar cinzentos burocratas políticos e a preferir engessados funcionários técnicos? Académicos, eis o que se acaba por inventar, atentos académicos que tomam em consideração as consequências, pensam nas estratégias e nas tácticas mais adequadas, para se sentirem sempre na crista da onda para cavalgarem a rebentação social... porque, quando se deixa de medir e calcular, arrisca-se a cair lá do alto.
Mas se, pensando bem, sempre houve uma “emergência democrática”, é lógico o porquê de a “normalidade democrática” em grau de garantir liberdade e bem estar para todos não pode existir. É um mito, uma pura mentira que está a ser desmistificada mas que, infelizmente, não corre muitos riscos de colapsar até que as faíscas da sedição estejam aconchegadas sob as mais apresentáveis vestimentas laboratoriais da democracia.
Não, não é um regime político caído electrocutado na base de um poste eléctrico que dá energia a este mundo miserável. Não é a sua vida que está hoje em perigo. Simplesmente, é a possibilidade de entrever qualquer coisa de absolutamente outro e de se bater por ela – de rompante, sem o mínimo de cálculo, como faz quem desafia a alta tensão. Uma possibilidade que hoje jaz também ela em coma, e que tem de ser reanimada, curada, protegida, defendida, reforçada, alargada, dispersada. Amada. Que não tem apenas um combóio a travar, mas um mundo inteiro a abater.
28/02/2012
Texto retirado de http://finimondo.org/
Sintoniza a Rádio CasaViva e consulta a programação de uma rádio nada amiga.
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